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Foto do escritorMarina Tipo Ruim

Cada um sabe o que faz sua glicemia subir


BATI UM RECORD INCRÍVEL: recebi 834 mensagens e RESPONDI todas!

Foram mensagens lindas de apoio, orações, ombro amigo e principalmente mensagens de pessoas com medo das complicações que o diabetes pode trazer pelo descontrole depois do meu post falando sobre a minha neuropatia.

Algumas pessoas fizeram comentários do tipo “vc sabe onde errou”, sim, eu sei.

Ou o clássico “é preciso lutar contra a doença”, sim, é.

E também o cruel “eu consigo viver bem e você não, então desculpe, vc só não se controla pq vc não quer”, e não, não é bem assim.

Ultimamente tenho visto muitos comentários, posts, mensagens em grupos de facebook e celular de uma geração que acha que sabe tudo da vida, e o pior, que sabe tudo de diabetes. São pessoas que acreditam cegamente que existe uma receita mágica para o tratamento do diabetes, e que as pessoas devem, ou deveriam, fazer tudo exatamente igual à eles. E pessoal, só uma coisinha aqui: não é bem assim que a vida funciona tá bem fofos?

Tem gente que tem caganeira e toma maisena e tem uma galera q precisa ir pro pronto-socorro, e na boa, diarreia tá longe de ser complexa como o diabetes é. Somo diferentes, organismos, corpos, reação, energia, moléculas, é tudo diferente….então, parem com isso babys, por favor!

Eu fiz uma escolha na minha vida. Com 15 anos entrei em coma por cetoacidose e fiquei na UTI por alguns bons dias. Quando acordei e soube que era diabética não fazia a menor ideia do que isso significava. Pois bem.

Fui seguindo à risca todo o tratamento passado pelos médicos: nada de açúcar, pão, massa, doces e tomava-se uma insulina chamada Humolin N, fazíamos os testes de glicemia 8x ao dia (quando tínhamos dinheiro para as fitas) e rezava muito pra Deus controlar tudo isso.

Entre chás e simpatias milagrosas vivi a realidade de um choque muito grande, e os médicos não sabiam como lidar com a situação, a restrição alimentar era muito forte, e não existiam opções de comida diet, light, low carb, como temos com tamanha facilidade hoje em dia. Lembro-me de sempre ter como sobremesa um suspiro MUITO ruim e q eu mal queria comer.

Isso foi há 16 anos atrás, e só por aí você vê como as coisas mudaram, as tecnologias avançaram, os tratamentos sofreram uma alteração linda, apareceu a contagem de carbo, a insulina rápida começou a ser usada após as refeições e não só apenas para corrigir uma super hiper. Tudo mudou, até mesmo a cabeça e os conhecimentos dos médicos.

Eu tive um médico logo no começo que usava a técnica do pavor para me conscientizar dos problemas consequentes do diabetes descontrolado. Durante as consultas médicas ele colocava umas apresentações de fotos com pés amputados, gente cega, úlceras pelo corpo, e depois da sessão tortura ele dizia “e se vc um dia quiser ser mãe, cuidado, pq seu bebe vai nascer enorme e super doente se vc não cuidar, quem sabe até deformado”.

Hoje eu sei que esse médico deveria ter o CRM caçado tamanha a atitude desumana e as imbecilidade das coisas q ele falava pra mim. Mas eu tinha 15 anos, minha mãe não sabia nada sobre a doença e a informação era super precária. Ou seja, a gente acreditava naquilo tudo, afinal, vc acredita no seu médico né?

Eu fui tomando consciência das coisas ao longo dos anos e percebi que se no final de tudo aquilo eu ficaria cega e amputaria uma perna eu tomei a decisão de parar com a loucura de me furar 8x ao dia, de não poder tomar leite (pq ele dizia q era super prejudicial para a glicemia) e resolvi viver uma vida normal. Decidi que viveria poucos anos mas que viveria uma vida plena. E foi isso que eu fiz. Fiz uma escolha. Fiz uma escolha aos 17 anos, te parece justo?

Eu não errei. Eu escolhi.

Me cuidei dentro do possível, nunca deixei de tomar insulina, nunca deixei de medir (mas media 1x ao dia, ou menos, as vezes mais, dependia sempre do meu humor), nunca deixei de fazer os exames a cada 3 meses, nunca deixei de tomar os medicamentos da tiroide (embora eu esquecia de tomar alguns dias), mas eu nunca desisti completamente. Eu só escolhi não viver em função da doença. Vivi sempre no limite entre o controle perfeito e a merda total. Ah então vc era uma revoltada que não aceitava a doença? Não. Eu aceitava tanto o fato de que a amputação, cegueira e as tantas outras complicações poderiam acontecer por causa das minhas atitudes q eu vivi (e vivo!) maravilhosamente bem e feliz. Sempre disse aos meus amigos: “talvez eu não chegue aos 40 com as duas pernas por isso aproveitam o rolêzin comigo”. Isso sempre foi pra mim um fato bem claro.

E Eu não errei. Eu escolhi.

Escolhi mudar de médico, os anos passaram, as coisas foram se atualizando até que eu cruzei o caminho com o Dr Ricardo (meu médico até hoje). Ele colocou a bomba em mim, e fez uma glicada de 14 ir para 7.8, com muita força, muita bronca, muito puxão de orelha, muitas fórmulas mágicas e conversas francas.

Uso a bomba há 6 anos e a minha qualidade de vida melhorou muito. E ainda pode melhorar, sei disso, tenho noção, não sou idiota e nem imbecil como algumas pessoas por ai acham.

Os monitores de glicose em tempo real são promessas maravilhosas e que nos encorajam muito a nos cuidar. Hoje não uso nenhum mas isso vai mudar, se Deus quiser. Meu maior problema é medir. Odeio medir. E sem medir vc não corrige, e sem corrigir, vc caga em tudo. É uma bola de neve.

Com o tempo eu entendi que, por mais que a gente se cuide, por mais que a gente faça o nosso melhor, por mais que nossa glicada esteja em 6, em 5, em 4 (se é que isso é possível), a gente está sujeito a absolutamente tudo nessa vida. Podemos morrer em um acidente de carro ou podemos só viver até os 80 anos aplicando insulina na pele enrugada.

Os anos de doença podem nos pregar uma peça ou não!

Com um bom controle vc evita muito todas as complicações, torna o mundo ideal muito mais real e tangível, mas não existe controle de tudo nesse mundo. Estamos todos sujeitos a ter um baque na vida. E não só pelo diabetes.

Podemos vivenciar uma merda muito grande e a qualquer momento, a vida pode pregar uma peça em você só para te provar que você não tem o controle de tudo.

Eu não errei. Eu escolhi.

Para algumas pessoas ter um controle maravilhoso é motivo de orgulho. Ter uma glicada em 6 é relativamente fácil. Ter uma linha reta nos gráficos da glicemia é um objetivo de vida. Comer de forma saudável é um estilo. Eliminar totalmente massa, doce e porcaria do cardápio é uma questão de doutrina e foco. Para mim isso não funciona. Nunca funcionou. E talvez nunca funcione.

Eu sempre vou escolher ter orgulho dos países que eu conheci e que, durante a viagem, pude experimentar os mais diversos tipos de comida, incluindo os doces. Ter uma glicada em 6 é MUITO difícil, mesmo que eu tente muito, de verdade, eu nunca consigo. Comer de forma saudável é um pé no saco na minha humilde opinião, mas tem gente que ama! Eliminar totalmente massa doce e porcaria do meu cardápio está fora de cogitação. Pra mim o que funciona é saber que eu vivi o máximo das minhas experiências, mesmo que isso por vezes resultava em adiar um teste após o almoço porque eu precisava correr para não perder a conexão do meu voo para a África. Meu objetivo de vida não é viver em função da doença, é viver em função da minha felicidade, sem descuidar muito da doença.

Eu não errei.

Eu escolhi viver outras coisas antes de medir. Escolhi primeiro terminar aquele trabalho para depois tomar a insulina. Escolhi comer aquele lanche rápido para poder aproveitar mais o passeio. Escolhi me tatuar no meio da nevasca do Chile mesmo sem saber quanto estava minha glicada. Eu escolhi viver esses riscos, e sim, hoje estou colhendo os frutos podres dessas escolhas.

Neuropatia é uma delas.

Se eu me arrependo? Não.

A minha vida não acabou. Neuropatia não é sentença de morte pra ninguém. Eu ainda tenho várias oportunidades para fazer outras escolhas.

Não existe certo e errado, existe o que te faz bem, o que te faz feliz, o que você quer pra sua vida, o que vc deseja pro seu futuro. Sabe aquela pergunta que todo entrevistador de emprego faz? “Como vc se vê daqui 5 anos?” Pare e se pergunte: como vc se vê daqui 10 anos?

O objetivo desse post é mostrar para você que fazer as suas escolhas, seja ela qual for, terá uma consequência. O que importa aqui é sempre fazer essas escolhas com consciência do que você pode ter q enfrentar lá na frente. Seja consciente, e não inconsequente, percebe a diferença disso?

Gostaria de pedir para que vc não faça as escolhas que eu fiz. Use pessoas controladas e perfeitas como exemplos de vida, tá cheio de gente assim por aí. Mas eu sei que num universo de 14 milhões de diabéticos menos de 1% dessas pessoas podem ser consideradas como um exemplo de controle. 99% delas pertencem a classe do “acho difícil pra cacete manter o controle da glicemia”. E tem ainda a porcentagem dos controlados mentirosos neh? São aqueles que postam todo dia glicemias lindíssimas mas que nunca postam os 400 e pouco durante um descontrole….(E QUE A GENTE SABE QUE TODO MUNDO TEM TA BEM?)

Eu faço parte desses 99%, infelizmente. Eu acho difícil pra cacete manter o controle e admiro quem consegue.

Admiro. Apenas isso.

O respeito eu deixo para ter por aqueles que não impõe suas verdades, não impõe seus tratamentos e suas ideias de vida aos outros. Eu respeito quem respeita.

Aqui eu levanto a bandeira das escolhas e da paz. Sou a favor de quem é capaz de fazer escolhas conscientes em todos os sentidos da vida. E sou muito a favor da paz, e de nunca julgar as escolhas de alguém, mesmo se for contrárias as minhas.

Cada um sabe onde aperta o calo né não?

Ou melhor, cada um sabe o que faz sua glicemia subir…..

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